Tese analisa bastidores da legalização de apostas e cassinos on-line no Brasil

Pesquisa defendida na PUC Minas mostra como parlamentares e autoridades do Executivo contornaram resistências e reclassificaram apostas como loteria para acelerar a legalização de produtos estigmatizados

Mai 27, 2025 - 13:19
Tese analisa bastidores da legalização de apostas e cassinos on-line no Brasil
Segundo o autor, a estratégia foi “posicionar as apostas como uma nova modalidade lotérica"

Movimentando mais de R$ 20 bilhões por mês e patrocinando clubes de futebol em todo o país, as apostas esportivas e os cassinos online se consolidaram como um dos setores mais visíveis - e controversos - da economia digital brasileira.

Mas como esses produtos, historicamente associados ao estigma dos jogos de azar, são legalizados e regulamentados em tão pouco tempo?

Essa é a pergunta que norteia a tese de doutorado de Francisco Cláudio Freitas Silva, defendida em março de 2025, no Programa de Pós-graduação em Administração da PUC Minas.

Intitulada "Categorização regulatória de produtos estigmatizados: o caso das apostas esportivas on-line de cota fixa e cassinos on-line no Brasil", uma pesquisa revelou que a legalização dessas modalidades não foi resultado de um debate público amplo, mas sim de uma estratégia política articulada entre parlamentares e autoridades do Executivo.

Com base na análise de leis, 81 documentos legislativos e governamentais, mais de 800 notícias e 17 entrevistas em profundidade com atores do setor (parlamentares, reguladores, stakeholders e representantes da indústria), o estudo reconstrói a trajetória de um processo regulatório marcado por decisões pragmáticas e discretas, moldadas mais pela lógica da arrecadação fiscal do que pelo interesse em debater os impactos sociais das apostas.

O estudo evidencia que legisladores e reguladores não apenas respondem às pressões externas, mas também desempenham um papel ativo na redefinição de categorias normativas para facilitar a acessibilidade desses produtos. “

A primeira brecha para a legalização surgiu em 2018, quando a Medida Provisória nº 846 - posteriormente convertida na Lei nº 13.756 - incluiu as apostas esportivas como modalidade lotérica de cota fixa.

Com isso, contornou-se o desgaste político de discutir abertamente a legalização de jogos de azar: as apostas foram reclassificadas como loteria, o que impediu resistências no Congresso e viabilizou sua aprovação quase sem debate público.

Segundo Francisco, a estratégia foi “posicionar as apostas como uma nova modalidade lotérica, mesmo que as técnicas não sejam necessárias, criando um atalho legislativo para sua utilização”.

A pesquisa também aponta as limitações e os riscos desse processo. Ao priorizar a arrecadação e adotar a narrativa do jogo responsável , o Estado repassou à população a responsabilidade pelos danos sociais associados às apostas.

Além disso, embora a legislação preveja repasse à saúde pública, apenas 1% da arrecadação foi destinado ao Ministério da Saúde. 

“É um valor simbólico diante dos impactos que esse mercado já começa a provocar, especialmente em termos de saúde mental e endividamento da população”, alerta o autor.

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